Meditar
sobre a necessidade da oração na nossa caminhada discipular é abrir espaço para
perceber a presença do Verbo encarnado na própria experiência humana. Assim,
encontramos no evangelho dois Jesus: um Jesus “público” que expulsa os
demônios, que prega o Reino, que realiza milagres e trava controvérsias, e um
Jesus “íntimo” e quase oculto nas entrelinhas do evangelho. Este último é o
Jesus que reza, que suplica, deixa-se guiar pelo Espírito Santo e que se coloca
disponível ao cumprimento da vontade do Pai.
Lancemos
o olhar sobre o evangelho segundo Lucas que é o mais atento em captar Jesus
imerso em oração.
Jesus que reza
Comecemos
precisamente com o batismo de Jesus. Lucas escreve: Enquanto Jesus, depois de
receber também ele o batismo, estava em oração, o céu se abriu e sobre ele
desceu o Espírito Santo. O mistério da unção está ligado, na sua própria raiz,
à oração (Lc 3,21-22). Dir-se-ia que, para Lucas, foi a oração de Jesus que
abriu os céus e fez descer o Espírito Santo. O mistério da unção está ligado,
na sua raiz, à oração.
Muita
gente acorria para ouvi-lo e ficar curada das suas doenças. Mas ele se retirava
para os lugares isolados, querendo rezar (5, 16-16). Aquele “mas” adversativo é
muito eloqüente; cria um contraste singular entre as multidões que se comprimem
e a decisão de Jesus de não deixar-se arrastar pelas multidões, de não
renunciar ao seu diálogo com o Pai.
Em
outra ocasião, Jesus foi rezar no monte e passou a noite em oração. Quando
amanheceu chamou a si os discípulos e escolheu doze (Lc 6,12-13). Como se
Jesus, de dia, não fizesse outra coisa senão pôr em prática o que de noite
havia visto em oração.
Também
na transfiguração, como o batismo, é para Lucas um mistério da oração de Jesus.
Jesus não subiu ao monte para ser transfigurado: esta foi a surpresa do
Espírito que o havia impelido, não a intenção de Jesus, ao menos da consciência
humana de Jesus. Jesus foi ao monte “orar” e “enquanto orava” o seu rosto mudou
de aspecto e se transfigurou (Lc 9,28-29). Quando Jesus, depois do batismo, “se
dirigiu ao deserto”: não foi para ser tentado; esta, mais uma vez, era a
intenção do Espírito Santo que o havia impelido para lá, não de Jesus. Jesus
foi para o deserto orar e jejuar.
O
que Jesus rezava, como se transformava seu rosto e todo o seu ser quando se
punha em oração, é expresso também aqui em meia-linha do texto. Certo dia,
Jesus orava; ao vê-lo orar, os discípulos que estão em torno dele descobrem o
que é oração, dão-se conta de que eles na realidade nunca rezaram e dizem:
Senhor, ensina-nos a rezar (Lc 11,1). Nasce assim o pai-nosso que é como que um
eco vivo da oração de Jesus transmitido aos discípulos.
O
último respiradouro sobre Jesus que reza é aquele que ilumina, no evangelho de
Lucas, a cena do Getsêmani: Ajoelhando-se, orava (Lc 22,41).
A
tradição evangélica preocupou-se apenas em transmitir as notícias sobre a
oração pessoal de Jesus; mas tudo faz pensar que houvesse também, no dia-a-dia
de Jesus, a oração comum a todo piedoso israelita, prevista nas três horas
estabelecidas: ao levantar do sol, depois do meio-dia durante o sacrifício no
templo, e de noite, antes de adormecer (J. Jeremias).
Se a
tudo isto acrescentarmos os trinta anos de silêncio, de trabalho e de oração de
Nazaré, a imagem global de Jesus é aquela de um contemplativo que de vez em
quando passa à ação, mais que a de um homem de ação que de vez em quando se
concede espaços de contemplação.
Portanto,
a oração foi uma espécie de pano de fundo ininterrupto, como o contexto
contínuo da vida de Jesus no qual todo mais está mergulhado. Podemos aplicar à
oração de Jesus o que diz Péguy sobre a noite: “A noite é o lugar, a noite é o
ser no qual se mergulha, do qual alguém se nutre, se cria, se faz. No qual faz
o seu ser. A noite é o lugar, a noite é o ser no qual se repousa, no qual a
gente se retira e se recolhe. A noite é que é contínua... e os dias são
descontínuos, pois furam e rompem a noite. E não são de forma algumas noites
que interrompem o dia. A noite que faz uma borda augusta às agitações do dia...
Contínua é a noite, nela o ser se retempera, é a noite que forma um longo
tecido contínuo...” (O pórtico do mistério da segunda virtude).
Como
na encarnação, a palavra sai do silêncio eterno de comunhão com o Pai, assim na
pregação de Jesus a palavra brota do silêncio de sua oração e de seu colóquio
com o Pai.
O Espírito Santo, alma da oração de
Jesus
Agora
iremos descobrir o conteúdo da oração de Jesus. Notou-se uma coisa
surpreendente: todas as orações de Jesus atestadas nos quatro evangelhos – com
a única exceção do grito lançado na cruz, mas que é uma citação do salmo 22,2 –
têm em comum o uso da invocação “Pai”, e precisamente na forma hebraica Abba.
Esta
palavra não aparece nas orações judaicas (J. Jeremias). Ela encerra toda a
impressionante novidade da oração de Jesus, novidade que deriva, por sua vez,
do fato novo no mundo que é o próprio Filho de Deus que está a rezar.
Foi
o Espírito Santo que suscitou no coração de Jesus aquele grito: Abba! Naquele
mesmo instante, Jesus exultou no Espírito Santo e disse: Eu te louvo, Pai
(Abba), Senhor do céu e da terra... (Lc 10, 21). Paulo confirma esta
descoberta; com efeito, ele confirma que quando nós dizemos Abba!, na realidade
é o Espírito de Jesus que o diz em nós, continuando nos crentes a oração de
Jesus: A prova de que sois filhos de Deus, é que Deus enviou aos nossos
corações o Espírito de seu Filho que clama: ‘Abba-Papai’! (Gl 4,6). O Espírito Santo, por si mesmo, não pode
dirigir-se ao Pai, gritando Abba!, pode fazer isto enquanto se tornou, graças a
encarnação, o Espírito de Jesus, que é o Filho de Deus. Toda vez que ouvimos
este grito filial, devemos pensar que o Espírito Santo está em ação: tanto em
Jesus como na Igreja: “Sem ele, quem quer que grite, grita Abba no vazio”
(Agostinho, Sermo 71,18: PL38,461).
Mas
o Espírito Santo não suscita em Jesus apenas orações de “exultação’. Paulo diz
que o Espírito intercede pelos cristãos “com gemidos inenarráveis” (Rm 8,26);
foi “no Espírito Santo” que Jesus, nos dias de sua vida terrena, ofereceu
orações e súplicas com fortes gritos e lágrimas (Hb 5,7). Em outras palavras, o
Espírito Santo estava com Jesus no Getsêmani sustentando-o na hora suprema da
oferenda da sua vida. “Cristo com um Espírito eterno (isto é, com o Espírito
Santo) ofereceu-se a si mesmo sem mancha a Deus para purificar a nossa
consciência das obras da morte” (Hb 9, 14).
Nesta oração e oferenda sacrificial de si ao Pai aparece o terceiro aspecto da unção recebida por Jesus mediante o Espírito Santo: a unção sacerdotal. Cristo não se atribuiu a glória de sumo sacerdote,mas conferiu-lha aquele que (na encarnação e no batismo!) lhe disse: “Tu és meu filho” (Hb 5,5; cf. Lc 3,22).
Continua no próximo artigo!
Resumido
por Edilma Saboia, do Livro “O Espírito Santo na Vida de Jesus” do Frei Raniero
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