AS FESTAS DE NOSSA SENHORA
DA IMACULADA CONCEIÇÃO
CAPÍTULO
II
Certeza da Imaculada Conceição
Advertência.
Muitos
doutores sustentam que Maria foi isenta de contrair até o débito do pecado.
Assim falam Galatino, o Cardeal Cusano, de Ponte, Salazar, Catarino, Viva,
Novarino, de Lugo e outros. Essa opinião é muito bem fundada. Apoiandose na
sentença de S. Paulo: “Todos pecaram em Adão”, Gonet, Habert e outros sustentam
com fundamento que na vontade de Adão, como chefe do gênero humano, foram
incluídas as vontades de todos os homens. Se isso é provavelmente verdade,
também o é que Maria não tenha contraído o débito do pecado original. Pois
tendo-a Deus com sua graça singularmente distinguido do comum dos homens,
devemos crer piamente que a vontade de Maria não foi incluída na de Adão. Essa
opinião é provável apenas, mas eu adoto como sendo mais gloriosa para minha
Senhora.
Tenho
por certa, entretanto, a sentença de que Maria não contraiu o pecado de Adão.
Igualmente por tal, e quase por dogma de fé, têm-na o Cardeal Everardo,
Duvállio, Reinaldo e Lossada, Viva e outros muitos. Não tomo em conta as
revelações feitas a S. Brígida e aprovadas pelo Cardeal Turrecremata e por
quatro Sumos Pontífices. Comparem-se por exemplo vários trechos do Livro VI.
Mas tenho de apresentar impreterivelmente:
1. O unânime testemunho dos Santos
Padres, quanto a esse privilégio de Maria
S.
Ambrósio faz a natureza humana dizer ao Verbo Eterno, no momento de sua
Encarnação: Toma-me, ó Filho de Deus, não de uma Sara, mas de Maria que é uma
virgem intacta, virgem isenta, pela graça, de toda mancha do pecado. – Orígenes
assim fala sobre Maria: Não está contaminada pelo envenenado hálito da
serpente. De imaculada, de livre de todo e mínimo labéu, a chama S. Efrém.
Escreve o Pseudo-Agostinho sobre o texto da saudação angélica: Maria estava – e
note-se – completamente livre da cólera da primeira sentença, e possuía a graça
toda da bênção. Esta nuvem – são palavras do Pseudo-Jerônimo – nunca foi
escura, mas sempre resplandecente.
Vulgato
Cipriano (Arnoldo de Chartres) observa: “A justiça não admitia que aquele vaso
de eleição fosse atingido pela mácula comum. Ao contrário de todos os homens,
com eles compartilhou da mesma natureza, mas não da mesma culpa”. Eis as
palavras de S. Anfilóquio: Aquele que formou a primeira virgem sem defeito, formou
também a segunda sem mancha e sem culpa. No VI Concílio Ecumênico de
Constantinopla (680-81) falou S. Sofrônio: O Filho de Deus baixou ao ventre de
Maria guardado intacto por casta virgindade, e a virgem estava isenta de todo
contágio no corpo e na alma. Escreve Vulgato Ildefonso (Pascásio Radberto): É
fora de dúvida que a Virgem não foi atingida pela culpa original. S. João
Damasceno é de opinião que de Maria, como de um limo puríssimo, o Verbo Eterno
se escolheu a forma humana. Que o corpo da Virgem não herdou a mancha de Adão,
embora dele tenha sua origem, nos garante Nicolau, monge. Por sua vez S. Bruno
de Segni anuncia: É Maria terra abençoada por Deus e por isso isenta de todo
contágio de pecado. É incrível que o Filho de Deus haja querido nascer de uma
Virgem, se ela de algum modo houvesse sido maculada pela culpa original, diz S.
Bernardino de Sena. As palavras de S. Lourenço Justiniano testemunham que Deus
abençoou a Maria desde o momento de sua conceição. – Sobre o texto onde se
afirma que Maria achou graça diante do Senhor, o Abade de Celes tece a seguinte
saudação: Ó dulcíssima Senhora, Deus se agradou extraordinariamente de vós e
fostes preservada do pecado original.
De
semelhante modo fala um grande número de teólogos.
Finalmente,
dois motivos nos certificam da verdade dessa pia sentença.
2. O primeiro é o consenso universal dos
fiéis sobre esse ponto
Atesta
o padre Egídio da Apresentação que todas as Ordens religiosas são partidárias
da nossa doutrina. Na Ordem de S. Domingos, diz um autor moderno, embora 92
escritores defendam a opinião contrária, 136 defendem a nossa. O sentimento
comum dos católicos é favorável a essa doutrina. Sobretudo deve convencer-nos a
Bula Solicitudo omnium Ecclesiarum, de 1661, escrita por Alexandre VII. Nela se
diz: A devoção à Virgem Imaculada cresceu e espalhou-se e, depois que as
escolas apoiaram essa pia doutrina, a partilham agora quase todos os católicos.
Realmente as Academias de Sorbona, de Alcalá, de Salamanca, de Coimbra, de
Colônia, de Mogúncia, de Nápoles e muitas outras a defendem com ardor. Nelas o
bacharelado laureado compromete-se sob juramento a defender a Imaculada Conceição.
De fato, este argumento do consenso comum dos fiéis, empregado pelo doutor
Petávio, não nos pode deixar de convencer, anota o sábio bispo Torni. Em verdade,
este mesmo consenso dos fiéis já nos certifica da santificação de Maria no seio
materno e da sua Assunção ao céu, em corpo e alma. Mas por que não nos certificaria
ele igualmente de sua Imaculada Conceição? O outro motivo, mais forte que o
primeiro, para nos convencer do glorioso privilégio de Maria Imaculada, é:
3. A introdução da festa de Nossa Senhora
da Conceição pela Igreja universal
Nesse
particular vejo, com efeito, que a Igreja celebra o primeiro instante da criação
e da união da alma de Maria com o seu corpo. Conclui-se isso da citada Bula de
Alexandre VII. Aí ele declara que a Igreja celebra a Conceição de Maria, no
sentido que lhe dá a pia sentença, segundo a qual foi ela concebida sem a culpa
original. De outro lado sei que a Igreja não pode festejar o que não é santo,
conforme a decisão de S. Leão, Papa, de Eusébio, e de muitos outros teólogos
como o Pseudo-Agostinho, S. Bernardo e S. Tomás. Este último serve-se
justamente desse argumento, em prova da santificação de Maria antes de seu
nascimento. A Igreja – diz ele – celebra a festa da Natividade de Maria. Ora,
festejando ela tão somente o que é santo, diga-se que Maria já foi, por conseguinte,
santificada no seio materno. No pensamento do Santo Doutor é certa a
santificação da Virgem por lhe celebrar a Igreja essa data. Por que então não poderemos
ter por certo que Maria foi preservada do pecado original, desde o primeiro
instante de sua Conceição, já que é notório que, nesse mesmo sentido, a mesma
Igreja estabeleceu uma festa própria?
Tem
o Senhor se dignado confirmar esse grande privilégio de Maria, dispensando cada
dia no reino de Nápoles inumeráveis e prodigiosas graças, por meio das estampas
da Imaculada Conceição. Eu poderia referir muitos para os quais os padres de
nossa Congregação deram ensejo.
EXEMPLO
Numa
das casas de nossa Congregação no reino de Nápoles, aconteceu ir uma vez certa
mulher dizer a um dos nossos padres que seu marido não se confessava havia
muitos anos. A pobre não sabia mais que meios empregar para levá-lo ao
cumprimento de seus deveres religiosos, pois que a maltratava quando lhe falava
em confissão. Aconselhou o padre que desse ao marido uma estampa de Maria
Imaculada. À noite ela pediu de novo ao rebelde que se confessasse. Foi em vão;
como de costume ele fez-se de surdo. Deu-lhe então a esposa a referida estampa.
E eis que apenas a recebeu, o marido disse logo: Então quando queres que me
confesse? Estou pronto. – A mulher pôs-se a chorar de alegria, vendo aquela
mudança tão súbita. Na manhã seguinte, foi com efeito à nossa igreja. O padre
perguntou-lhe há quanto tempo não se confessava. – Há vinte e oito anos,
respondeu ele. – E como, tornou o padre, se resolveu a vir hoje? – Meu pai,
tornou ele, eu estava obstinado; mas ontem à noite minha mulher deu-me uma
imagem de Nossa Senhora, e logo senti mudar se-me o coração. E isso de tal
sorte que esta noite os momentos me pareciam mil anos, tanto desejava que amanhecesse
para vir confessar-me. – Confessou-se efetivamente com muita compunção, mudou
de vida, e continuou por muitos anos a confessar-se a miúdo com o mesmo padre.
Num
lugar da diocese de Salerno, durante uma missão que aí demos, havia certo homem
que nutria grande inimizade contra um outro que o tinha ofendido. Um padre exortou-o
ao perdão, porém ele respondeu: – Meu padre, já que me vistes assistir às
prédicas – Não. – E sabeis por quê? É que já me vejo condenado; mas não me
importa: quero vingar-me. – O padre empregou todos os meios para dissuadi-lo,
porém, vendo que eram baldadas suas palavras: Tomai, disse-lhe, esta estampa da
Senhora da Conceição. A princípio o homem respondeu: E para que serve ela? Mas
assim que a tomou, como se nunca se tivesse negado a perdoar, disse ao
missionário: Padre, não quereis mais alguma coisa além do perdão? Estou pronto
a concedê-lo. – Com efeito marcaram a reconciliação para a manhã seguinte. No
outro dia, entretanto, o homem mudou de opinião, e já nada mais queria fazer.
Ofereceu-lhe o padre outra imagem, que ele recusou no começo, mas afinal, à força
de instâncias, recebeu. E, ó maravilha! apenas segurou essa segunda imagem,
disse imediatamente: − Ora, vamos! acabemos logo com esta briga! Onde está o
meu inimigo? – Perdoou logo, com efeito, confessando-se em seguida.
ORAÇÃO
Ó
minha Senhora, minha Imaculada, alegro-me convosco por ver-vos enriquecida de
tanta pureza. Agradeço e proponho agradecer sempre a nosso comum Criador por
ter-vos ele preservado de toda mancha de culpa. Disso tenho plena convicção e,
para defender este vosso tão grande e singular privilégio da Imaculada
Conceição, juro dar até a minha vida. Estou pronto a fazê-lo, se preciso for.
Desejaria que o mundo universo vos reconhecesse e confessasse como aquela formosa
aurora, sempre adornada da divina luz; como aquela arca eleita de salvação,
livre do comum naufrágio do pecado; como aquela perfeita e imaculada pomba,
qual vos declarou vosso divino Esposo; como aquele jardim fechado, que foi as
delícias de Deus; como aquela fonte selada, na qual o inimigo jamais pôde
entrar para turvá-la; como aquele cândido lírio, finalmente, que, brotando
entre os espinhos dos filhos de Adão, enquanto todos nascem manchados da culpa
e inimigos de Deus, vós nascestes pura e imaculada, amiga de vosso Criador.
Consenti,
pois, que ainda vos louve, como vos louvou vosso próprio Deus: Toda sois
formosa e em vós não há mancha. Ó pomba puríssima, toda cândida, toda bela,
sempre amiga de Deus! Dulcíssima, amabilíssima, imaculada Maria, vós que sois
tão bela aos olhos do Senhor, não recuseis olhar com vossos piedosíssimos olhos
as chagas tão asquerosas de minha alma. Olhai-me, compadecei-vos de mim, e
curai-me. Ó belo ímã dos corações, atraí para vós também este meu miserável
coração. Tende piedade de mim, que não só nasci em pecado, mas ainda depois do batismo
manchei minha alma com novas culpas, ó Senhora, que desde o primeiro instante
de vossa vida aparecestes bela e pura aos olhos de Deus. Que graça vos poderá
negar o Deus que vos escolheu para sua Filha, sua Mãe e sua Esposa, e por essa
razão vos preservou de toda mancha? Virgem Imaculada, a vós compete salvar-me,
dir-vos-ei com S. Filipe Néri. Fazei que me lembre de vós; e não vos esqueçais
de mim. Parece tardar mil anos o momento de ir contemplar vossa beleza no Paraíso,
para melhor louvar-vos e amar-vos, minha Mãe, minha Rainha, minha Amada,
belíssima, dulcíssima, puríssima, imaculada Maria. Amém.
Fonte: Glórias de Maria - Santo Afonso Maria de Ligório
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