AS FESTAS DE NOSSA SENHORA
DA IMACULADA CONCEIÇÃO
CAPÍTULO
I
PONTO
SEGUNDO
Convinha
a Deus Filho preservar da culpa a Maria, como sua Mãe
1. Podia o Filho criar para si uma Mãe
ilibada
Nenhum outro filho pode escolher sua Mãe. Mas
se a algum deles fosse dada tal escolha, qual seria aquele que, podendo ter por
Mãe uma rainha, a quisesse escrava? Ou, podendo tê-la nobre, a quisesse vil?
Ou, podendo tê-la amiga, a quisesse inimiga de Deus? Ora, o Filho de Deus, e
ele tão somente, pode escolher-se mãe a seu agrado. Por conseguinte, deve-se
ter por certo que a escolheu tal qual convinha a um Deus. Mas a um Deus
puríssimo convinha uma Mãe isenta de toda culpa. Fê-la, por isso, imaculada,
escreve S. Bernardino de Sena. E aqui quadra uma passagem de S. Paulo: Pois
convinha que houvesse para nós um pontífice tal, santo, inocente, impoluto,
segregado dos pecadores (Hb 7,26). Um douto autor faz observar que, segundo o
Apóstolo, foi conveniente que nosso Redentor fosse separado tanto do pecado
como até dos pecadores. Também S. Tomás o afirma com as palavras: Aquele que
veio para tirar o pecado devia ser segregado dos pecadores, quanto à culpa que
pesava sobre Adão. Mas como poderia Jesus Cristo dizer-se separado dos
pecadores, se pecadora lhe fosse a Mãe?
Diz S. Ambrósio: Cristo procurou-se, não aqui
na terra, mas no céu, um vaso de eleição no qual baixou ao mundo, e fez do seio
da Virgem um templo sagrado. Em seguida, faz o Santo alusão às palavras de S.
Paulo: O primeiro homem, formado da terra, é terreno: o segundo, vindo do céu,
é celeste (1Cor 15,47). De vaso celeste chama Ambrósio a Divina Mãe. Não que
Maria não fosse terrena por natureza, como sonhariam alguns hereges, mas porque
ela é celeste pela graça, e excede os anjos do céu em santidade e pureza. Assim
convinha ao Rei da glória, que havia de habitar em seu seio conforme a S. Brígida
o revelou S. João Batista. O mesmo dizem as palavras de Deus Pai à referida
Santa: “Maria foi ao mesmo tempo um vaso puro e manchado. Puro, porque era
formosíssima; manchado, porque nascida de pecadores. Não obstante, foi
concebida sem pecado”. As últimas palavras não devem ser entendidas como se
Cristo Senhor fosse capaz de contrair culpa. Significam apenas que não devia passar
pelo opróbio de nascer de uma criatura manchada pelo pecado e escrava do
demônio.
2. A honra do Filho reclamava-lhe por
Mãe uma criatura imaculada
Diz o Espírito Santo: A glória do homem
provém da honra de seu pai, e o desdouro do filho é um pai sem honra (Eclo
3,13). É por isso, observa o Pseudo-Agostinho, que Jesus preservou o corpo de
Maria da corrupção depois da morte. Pois ser-lhe-ia desonroso corromperem-se as
carnes virginais de que ele se havia revestido. Para o Senhor seria um opróbrio,
portanto, nascer de uma mãe, cujo corpo fosse entregue à podridão. Ora, quanto
mais o seria, então, se esta mãe tivesse a alma corrompida pela podridão do
pecado? Note-se, além disso, que a carne de Jesus é a mesma que a de Maria. E
de tal modo o é, que, segundo o sobredito autor, até depois da ressurreição ela
ficou sendo a mesma que tomara de Maria. Sobre isso observa Arnoldo de
Chartres: “Uma é a carne de Jesus e de Maria. Na minha opinião, não dividem
eles por isso entre si a grandeza, mas possuem a mesma glória”. Estabelecida esta
verdade, qual seria a consequência, se Maria tivesse sido concebida em pecado?
Para o Filho, embora não pudesse contrair a nódoa do pecado, daí resultaria
sempre uma tal ou qual mancha. Pois não havia assumido uma carne outrora
corrompida pela culpa, vaso de corrupção, sujeita a Lúcifer?
3. A dignidade do Filho exigia uma Mãe
nos esplendores de consumada santidade
Maria não só foi Mãe, senão também digna Mãe
do Salvador. Tal a proclama o coro uníssono nos Santos Padres. Diz-lhe Egberto,
abade de Schoenau: No teu seio virginal escolheu o Rei dos reis sua primeira
habitação; só tu foste achada digna por ele. E S. Tomás de Vilanova: Antes de
conceber o Verbo Divino, foste digna de ser Mãe de Jesus Cristo. A própria
Igreja atesta que a Virgem mereceu ser Mãe de Deus. Isso explicando, diz S.
Tomás: Não pôde Maria merecer propriamente a Encarnação do Verbo, mas com o
socorro da graça mereceu tão grande perfeição, que se tornou digna Mãe de um
Deus. Também assim pensa o Pseudo-Agostinho: Por causa da sua singular
santidade, e por mercê de Deus, mereceu a Virgem ser julgada singularmente
digna de conceber o Altíssimo.
Acima de toda dúvida está, portanto, que
Maria foi digna Mãe de Deus. Que excelência, que perfeição, não devia, por
conseguinte, ser a sua? pergunta S. Tomás de Vilanova. Quando Deus eleva alguém
a uma alta dignidade, também o torna apto para exercê-la, ensina o Doutor
Angélico. Tendo eleito Maria por Mãe, certamente por sua graça a tornou digna
de tão sublime honra. E daí o Santo deduz que jamais cometeu Maria pecado atual,
nem venial sequer. Digna não teria sido, ao contrário, como Mãe de Jesus Cristo,
porquanto a ignomínia da mãe passaria para o Filho, descendente de uma
pecadora.
Cometesse Maria um só pecado venial, que enfim
não priva a alma da divina graça, e já não seria digna Mãe de Deus. E quanto
menos o seria então, se sobre ela pesasse a culpa original? Com semelhante
culpa tornar-se-ia inimiga de Deus e escrava do demônio. Levou esta reflexão S.
Agostinho a pronunciar aquela célebre sentença: Nem se deve tocar na palavra
pecado, em se tratando de Maria; e isso por respeito àquele de quem mereceu ser
a Mãe, o qual a preservou de todo pecado por sua graça.
Com S. Pedro Damião e S. Paulo devemos, pois,
ter por certo que o Verbo Encarnado escolheu para si mesmo uma Mãe digna, da
qual se não tivesse que envergonhar. Desprezivelmente, os judeus chamavam a
Jesus de Filho de Maria, isto é, filho de uma mulher pobre. “Não é sua mãe essa
que é chamada Maria?” (Mt 13,55). Não o atingiu esse desprezo, a ele que vinha
dar ao mundo exemplos de humildade e paciência. Mas ser-lhe-ia certamente um
grande opróbrio, se tivesse de ouvir dos demônios: Não é sua mãe essa que é
pecadora? Que nascesse Jesus de uma mãe disforme e mutilada no corpo, ou
possessa do demônio, seria igualmente inadmissível. Quanto mais, por
conseguinte, o será o nascer ele de uma mulher, cuja alma por algum tempo
houvesse sido deformada e possessa por Lúcifer?
É Deus a própria Sabedoria. Oh! como soube
fabricar a casa em que havia de habitar na terra, e como conseguiu fazê-la
realmente digna de si mesmo!
“O Altíssimo santificou seu tabernáculo; Deus
está no meio dele” (Sl 45,5). O Senhor, diz Davi, santificou seu tabernáculo
desde o raiar da manhã, isto é, desde o princípio de sua vida, para o tornar
digno de si. Pois não convinha a um Deus tão santo outra habitação, que não uma
santa. “A santidade convém à vossa casa, Senhor” (Sl 42,6). Protesta o Senhor
que nunca há de entrar ou habitar na alma maligna, ou no corpo sujeito ao
pecado (Sb 1,14). Como supor então que houvesse determinado morar na alma e no
corpo de Maria, sem antecipadamente santificá-los e preservá-los de toda mancha
do pecado? Pois S. Tomás acentua que o Verbo Eterno habitou não só na alma,
como também no seio de Maria. Canta a S. Igreja: Senhor, não tivestes horror de
habitar no seio da Virgem. Com efeito, a Deus repugnaria habitar no seio de uma
Inês, de uma Gertrudes, de uma S. Teresa. Embora santas, foram enfim essas
virgens maculadas pelo pecado original. Não o horrorizou entretanto fazer-se
homem no seio de Maria, porque esta Virgem predileta foi sempre ilibada de
culpa e jamais possuída pela serpente inimiga. Por isso, escreve o
Pseudo-Agostinho: O Filho de Deus não edificou para sua habitação outra mais
digna do que Maria, que nunca foi escravizada pelos inimigos, nunca esteve
despojada de seus ornamentos. Quem jamais ouviu dizer, pergunta S. Cirilo de
Alexandria, que um arquiteto, erguendo-se uma casa de moradia, consentisse que
um seu inimigo a possuísse inteiramente e habitasse?
4. Convinha ao Legislador do IV mandamento
preservar sua Mãe da Mancha original
O Senhor nos deu o preceito de honrar os
nossos pais. Ele próprio não quis deixar de observá-lo ao fazer-se homem, nota
S. Metódio, e por isso cumulou sua Mãe de todas as graças e honras. Portanto,
conforme o Pseudo - Agostinho, deve-se certamente crer que Jesus preservou da
corrupção o corpo de Maria, depois da morte, como acima o dissemos. Ora, quanto
menos então teria Jesus Cristo atendido à honra de sua Mãe, se a não houvesse
preservado da culpa de Adão? Certamente pecaria o filho que, podendo preservar
a mãe da culpa original, não o fizesse logo, observa o agostiniano Tomás de
Estrasburgo. Mas – continua ele – o que para nós seria pecado, não seria
certamente decoroso ao Filho de Deus. Podendo fazer sua Mãe imaculada, tê-lo-ia
deixado de fazer? Não; é isso impossível, diz Gerson.
Além do mais, é sabido que o Salvador veio ao
mundo mais para remir a Maria, de que a todos os outros homens, escreve S.
Bernardino de Sena. Dois, porém, são os modos de remir, na opinião de Suárez.
Consiste o primeiro em levantar o decaído e o segundo, em preservá-lo da queda.
É fora de dúvida que este último é o mais nobre, observa S. Antonino. Por ele
se previne ao dano e à nódoa que resultam da queda. Quanto a Maria, devemos
crer, por conseguinte, que foi remida por este modo mais nobre, e modo mais
conveniente à Mãe de Deus como reafirma um escritor sob nome de S. Boaventura.
Diz sobre isto com muita elegância o Cardeal Cusano: Os outros tiveram um
Redentor que os livrou do pecado já contraído; porém a Santíssima Virgem teve
um Redentor que, em sendo seu Filho, a livrou de contrair o pecado.
Em conclusão a este ponto recordo as palavras
de Hugo de S. Vítor: Se o Cordeiro foi sempre imaculado, sempre ilibada deve
também ter sido a Mãe, porque é pelo fruto que se conhece a árvore. E por isso
assim a saúda: Ó digna Mãe de um digno Filho! Maria era de fato digna Mãe de
tal Filho e só Jesus era digno Filho de tal Mãe. Acrescenta depois: Ó formosa
Mãe do belo Filho, ó excelsa Mãe do Altíssimo! – Digamos-lhe, pois, com o assim
chamado S. Ildefonso: Alimentai com vosso leite, ó Mãe, o vosso Criador; alimentai
aquele que vos fez, e tão pura e tão perfeita vos criou, que merecestes que de
vós ele próprio tomasse o ser humano.
Se conveio ao Pai preservar Maria do pecado,
porque lhe era Filha, e ao Filho porque lhe era Mãe, está visto que o mesmo se
há de dizer do Espírito Santo, de quem era Virgem Esposa.
PONTO
TERCEIRO
Sendo-lhe
Maria Esposa, convinha ao Espírito Santo preservá-la da mancha original
1. À Esposa do Espírito Santo convinha
uma formosura ilibada
Foi Maria a única que, no dizer do
Pseudo-Agostinho, mereceu ser chamada Mãe e Esposa de Deus. Com efeito, assevera
Eádmero, o Espírito Santo veio corporalmente a Maria, enriqueceu-a de graça
sobre todas as criaturas e nela repousou, fazendo-a sua Esposa, Rainha do céu e
da terra. Veio corporalmente a Maria, diz ele, quanto ao efeito; pois veio
formar de seu corpo imaculado o imaculado corpo de Jesus. Assim lhe predisse o
arcanjo: O Espírito Santo descerá sobre ti (Lc 1,35). Chama-se por isso Maria
templo do Senhor, sacrário do Espírito Santo, porque por virtude dele se tornou
Mãe do Verbo Encarnado, observa S. Tomás.
Suponhamos que um excelente pintor tivesse
que desposar uma noiva, formosa ou feia, conforme os traços que lhe desse. Que
diligência não empregaria, então, para torná-la a mais bela possível! Quem
poderá, pois, dizer que outro tenha sido o modo de agir do Espírito Santo,
relativamente a Maria? Podendo criar uma Esposa toda formosa, qual lhe
convinha, tê-lo-ia deixado de fazer? Não; tal como lhe convinha a fez, como
atesta o próprio Senhor, celebrando os louvores de Maria: És toda formosa,
minha amiga, em ti não há mancha original (Ct 4,7).
Na asserção dos santos Ildefonso e Tomás
essas palavras se entendem da Virgem, conforme refere Cornélio a Lápide. S.
Bernardino de Sena e S. Lourenço Justiniano afirmam que se devem entender
justamente da Imaculada Conceição de Maria. De onde a palavra de Raimundo
Jordão: Virgem bendita, és formosíssima em todo sentido; em ti não há mancha
alguma de qualquer pecado, leve ou grave ou original. Idêntico é o pensamento
do Espírito Santo, chamando sua Esposa de “jardim fechado e fonte selada” (Ct
4,12). O Pseudo-Jerônimo escreve: É Maria esse jardim fechado, essa fonte selada;
jamais os inimigos nela entraram para ofendê-la, e sempre permaneceu ilesa,
santa na alma e no corpo. Do mesmo modo saúda-a Egberto: És um jardim fechado
no qual mãos de pecadores nunca penetraram para lhe roubar as flores.
2. À Esposa do Espírito Santo convinha
uma santidade sem par
Sabemos que, acima de todos os santos e
anjos, o Divino Esposo amou a Maria, como acentua Suárez com S. Lourenço
Justiniano e outros. Desde o princípio amou-a, exaltando-a em santidade sobre
todas as criaturas, insinua Davi com as palavras: Seus alicerces estão sobre as
montanhas santas; o Senhor ama as portas de Sião mais do que a todas as tendas
de Jacó... e o mesmo Altíssimo a fundou (Sl 86,5). Tais expressões significam
que Maria foi santa desde o momento de sua conceição. É o que parecem dizer
ainda outras palavras do Espírito Santo, nos Provérbios: Muitas filhas ajuntaram
riquezas; tu excedeste a todas (31,9). Se, pois, a todas excedeu em riquezas da
graça, possuiu também, por conseguinte, a justiça original, como a possuíram
Adão e os anjos. De mais a mais, nos Cânticos nós lemos: Estão comigo um
sem-número de virgens, mas uma só é a minha pomba, a minha perfeita (no hebraico:
minha imaculada); ela é a única para sua mãe (6,7). Todas as almas justas são
filhas da graça divina. No meio delas, porém, foi Maria a pomba sem fel, a
perfeita sem mancha de origem, a única em graça concebida.
Achou-a por isso o anjo logo cheia de graça,
mesmo antes de ser Mãe de Deus, e saudou-a nestes termos: Ave, cheia de graça!
Sobre o texto diz o Pseudo-Jerônimo: Aos outros santos a graça é dada em parte,
contudo a Maria foi dada em sua plenitude. De modo que, observa S. Tomás, a
graça santificou não só a alma, senão também a carne de Maria, a fim de que com
ela revestisse depois o Verbo Eterno. Tudo isso nos leva a reconhecer, com
Pedro de Celes, que Maria desde sua conceição foi cumulada com as riquezas da
graça pelo Espírito Santo. Daí a palavra de Nicolau, monge: O Espírito raptou
para si a eleita de Deus e a escolhida entre todas. Quer assim exprimir o autor
a rapidez com a qual o Espírito Santo se antecipou e desposou a Virgem, antes
que Lúcifer a possuísse.
Ainda uma consideração para concluir este
discurso, no qual mais do que nos outros me tenho demorado. Motiva-o a
circunstância de nossa pequena Congregação ter por principal protetora a
Santíssima Virgem Maria, precisamente sob este título de Imaculada Conceição.
Quero declarar concisamente quais os motivos que me convenceram, e me parece
que devem convencer a todos, da verdade desta sentença, tão pia e de tamanha
glória para a Mãe de Deus.
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Fonte: Glórias de Maria - Santo Afonso Maria de Ligório
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