AS FESTAS DE NOSSA SENHORA
DA IMACULADA CONCEIÇÃO
Resumo
histórico.
Pelos fins do século VII apareceram alguns
hinos, e, a partir do século VIII, celebravam-se em vários conventos do Oriente
festas em louvor da Imaculada Conceição. Em 1166 o imperador Manuel Comneno
declarou a festa como feriado nacional. Do Oriente veio ela para o sul da
Itália, donde passou para a Normandia. Mais tarde tornaram-se os franciscanos
inconfundíveis beneméritos da propagação e popularização da festa. Veio depois
o período das discussões teologais nas escolas. Nelas ficaram bem assentadas e
esclarecidas as noções e as provas. Pôde assim Pio IX declarar dogma de fé e
doutrina que ensina ter sido a Mãe de Deus concebida sem mancha, por um
especial privilégio divino. Dava-se isto aos 8 de dezembro de 1854, pela Bula
Ineffabilis. Pio IX, ao declarar S. Afonso doutor da Igreja, afirmou “que nos
escritos do Santo encontrara, belamente exposto e irrefutavelmente provado”, o
que definira como Chefe da Cristandade (Nota do tradutor).
CAPÍTULO
I
Quanto
convinha às três pessoas divinas preservar Maria da culpa original
Incalculável foi a ruína que o maldito pecado
causou a Adão e a todo o gênero humano. Perdendo então miseravelmente a graça
de Deus, com ela perdeu também todos os outros bens que no começo o
enriqueciam. Sobre si e seus descendentes ao lado da cólera divina, atraiu uma
multidão de males. Dessa comum desventura quis Deus, entretanto, eximir a
Virgem bendita. Destinara-a para ser a Mãe do segundo Adão, Jesus Cristo, o qual
devia reparar o infortúnio causado pelo primeiro. Ora, vejamos quanto convinha
às Três Pessoas preservar Maria da culpa primitiva. E isso por ser ela Filha de
Deus Pai, Mãe de Deus Filho e Esposa de Deus Espírito Santo.
PONTO
PRIMEIRO
Convinha
ao Pai Eterno isentar da culpa original a Maria
1. É Maria a filha primogênita do Pai
Eterno
Declara-o ela própria com as palavras do Eclesiástico:
“Eu saí da boca do Altíssimo, a primogênita antes de todas as criaturas”
(24,5).
Os sagrados intérpretes e os Santos Padres
aplicam-lhe esse texto, e a própria Igreja dele se serve na festa da Imaculada
Conceição.
Com efeito, é Maria a primogênita de Deus por
ter sido predestinada juntamente com o Filho nos decretos divinos, antes de
todas as criaturas. Assim o ensina a escola dos escotistas. Ou então é a primogênita,
depois da previsão do pecado, como quer a escola dos Tomistas. São acordes,
porém, uns e outros em chamá-la primogênita do Senhor. Sendo assim, era
sumamente conveniente que Maria sequer um instante fosse escrava de Lúcifer,
mas pertencesse sempre e unicamente a seu Criador.
Tal se deu em realidade, conforme as palavras
da Virgem: “O Senhor me possuiu no princípio de seus caminhos” (Pr 8, 22). Com
razão, pois, lhe dá Dionísio, Arcebispo de Alexandria, o título de única e
exclusiva Filha da vida, diferente das outras mulheres, que, nascendo em
pecado, são filhas da morte. Criá-la em graça bem convinha, portanto, ao Pai
Eterno.
2. A
missão de reparadora do mundo perdido e de medianeira entre Deus e os homens
apresenta o segundo motivo para a preservação da Virgem Maria
Assim a chamam os Santos Padres,
especialmente S. João Damasceno, que diz: Ó Virgem bendita, nascestes para
servir à salvação de toda a terra. Por isso, na opinião de S. Bernardo, foi a
arca de Noé uma figura de Maria. Naquela foram livres os homens do dilúvio, tal
como por Maria somos salvos do naufrágio do pecado. Há somente a seguinte
diferença: por meio de Maria foi todo o gênero humano libertado. Daí o
chamar-lhe o Pseudo-Atanásio “nova Eva, mãe dos vivos”. Nova Eva porque a
primeira foi mãe da morte, mas a Virgem Santíssima é Mãe da vida. S. Teófano,
Bispo de Niceia, diz à Senhora a mesma saudação: Eu vos saúdo, porque tirastes
o luto no qual Eva nos amortalhou. S. Basílio nela saúda a reconciliadora dos
homens com Deus; S. Efrém, a pacificadora do mundo universo.
Ora é inconveniente que o intermediário da
paz seja inimigo do ofendido, ou, pior ainda, que seja cúmplice do mesmo
delito. Para aplacar um juiz, não se lhe pode mandar um seu inimigo, observa
Gregório Magno. Este, em vez de o aplacar, mais o irritaria. Entretanto, Maria
tinha de ser medianeira de paz entre Deus e os homens. Logo, absolutamente não
podia aparecer como pecadora e inimiga de Deus, mas só como sua amiga toda
imaculada. Mais um motivo reclamou que Deus preservasse Maria da culpa
original.
3. Sua missão de vencedora da serpente
infernal
Seduzindo esta a nossos primeiros pais,
trouxera a morte a todos os homens. O Senhor por isso lhe predisserá: Porei
inimizade entre ti e a mulher, entre a tua descendência e a descendência dela
(Gn 3,15). Ora, Maria devia ser a mulher forte, posta no mundo para vencer a Lúcifer.
Não convinha certamente, então, que a princípio houvesse sido subjugada e
escravizada por ele. Era, pelo contrário, mais razoável que permanecesse livre
sempre de toda mácula e de toda sujeição ao inimigo. Esse espírito mau buscou,
sem dúvida, infeccionar a alma puríssima da Virgem, como infeccionado já havia
com seu veneno a todo o gênero humano. Mas, louvado seja Deus!, o Senhor a
preveniu com tanta graça, que ficou livre de toda mancha do pecado. E dessa
maneira pôde a Senhora abater e confundir a soberba do inimigo como declara S.
Agostinho, ou quem quer que seja o autor do Comentário do Gênesis.
Sobretudo um motivo levou o Eterno Pai a
tornar ilesa do pecado de Adão a esta sua Filha. Ei-lo:
4. A eleição dessa Virgem para Mãe de
seu Filho unigênito
Assim fala S. Bernardo à Senhora: Antes de
toda criatura fostes destinada na mente de Deus para Mãe do Homem-Deus. Se não
por outro motivo, pois ao menos pela honra de seu Filho que é Deus, era necessário
que o Pai Eterno a criasse pura de toda mancha. Escreve S. Tomás: Devem ser
santas e limpas todas as coisas destinadas para Deus. Por isso Davi, ao traçar
o plano do templo de Jerusalém com a magnificência digna do Senhor, exclamou:
Não se prepara a morada para algum homem, mas para Deus (1Cr 29,1). Ora, o soberano
Criador havia destinado Maria para Mãe de seu próprio Filho. Não devia, então,
lhe adornar a alma com todas as mais belas prendas, tornando-a digna habitação
de um Deus? Afirma o Beato Dionísio Cartuxo: O divino artífice do universo
queria preparar para seu Filho uma digna habitação, e por isso ornou a Maria
com as mais encantadoras graças. Dessa verdade assegura-nos a própria Igreja.
Na oração depois da Salve-Rainha, atesta que Deus preparou o corpo e a alma da
Santíssima Virgem, para serem na terra digna habitação de seu
Unigênito.
Como é sabido, a primeira glória para os filhos
é nascer de pais nobres. “A glória dos filhos (são) os seus pais” (Pr 17,6).
Por isso, na sociedade menos mortifica passar
por pobre e pouco formado, do que ser tido por vil de nascença. Pois com sua
indústria pode o pobre enriquecer, e o ignorante fazer-se douto com seus
estudos. Mas quem nasce vil, dificilmente pode nobilitar-se, ainda que o
consiga, está exposto a ver que lhe atirem em rosto a baixeza de sua origem.
Deus, entretanto, podia dar a seu Filho uma Mãe nobilíssima e ilibada da culpa
original. Como então admitir que lhe tenha dado uma manchada pelo pecado? Como
dar a Lúcifer o ensejo de exprobrar ao Filho de Deus a vergonha de ter nascido
de uma Mãe que outrora fora escrava sua e inimiga de Deus? Não; o Senhor não
lho permitiu. Proveu à honra de seu Filho, fazendo com que Maria fosse sempre
imaculada. Assim a fez digna Mãe de tal Filho, como testemunha a Igreja
Oriental.
Dom algum jamais concedido a alguma criatura,
do qual não fosse enriquecida também a Virgem. É este um axioma comum entre os
teólogos. Para confirmá-lo eis as palavras de S. Bernardo: O que a poucos
mortais foi concedido, não ficou sonegado à excelsa Virgem; nem sombra de
dúvida pode haver nisso. S. Tomás de Vilanova assim depõe: Nenhuma graça foi
concedida aos santos, sem que Maria a possuísse desde o começo em sua
plenitude. Há, porém, entre a Mãe de Deus e os servos de Deus uma infinita
distância, segundo a célebre sentença de S. João Damasceno. Logo, à sua Mãe
terá Deus conferido privilégios de graças, em todo sentido maiores de quantos
outorgou a seus servos. Forçosamente assim teremos de concluir com S. Tomás.
Isto suposto, pergunta S. Anselmo – o grande defensor da Imaculada Conceição: –
Faltaria poder à Sabedoria divina para preparar a seu Filho uma morada pura e
para preservá-la da mancha do gênero humano? Pois, continua o Santo, Deus, que
pôde eximir os anjos do céu da ruína de tantos outros, não teria podido
preservar a Mãe de seu Filho, a Rainha dos anjos, da queda comum aos homens? E
acrescento eu: Deus, que pôde conceder a Eva a graça do vir ao mundo imaculada,
não teria podido concedê-la também a Maria?
Ah! certamente que sim! Deus podia fazê-lo, e
assim o fez. Diz, por isso, S. Anselmo: A Virgem, a quem Deus resolveu dar seu
Filho Único, tinha de brilhar numa pureza que ofuscasse a de todos os anjos e
de todos os homens, e que fosse a maior imaginável possível, abaixo de Deus.
Por todos os motivos, era isso conveniente. S. João Damasceno exprime o mesmo
pensamento com mais clareza: “O Senhor a conservou tão pura no corpo e na alma,
como realmente convinha àquela que iria conceber a Deus em seu seio. Pois santo
como ele é, procura morar só entre os santos. Portanto, o Eterno Pai podia
dizer a esta filha: Como o lírio entre os espinhos, és tu, minha amiga, entre
as filhas (Ct 2,2): Pois, enquanto as outras foram manchadas pelo pecado, tu
foste sempre imaculada e cheia de graça”.
Fonte: Glórias de Maria - Santo Afonso Maria de Ligório
Continua no próximo artigo!
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