“Fazei isto em memória de Mim”
A Eucaristia faz a Igreja mediante a contemplação
Eucaristia e contemplação foram vistas, por vezes, como duas vias
distintas e quase paralelas à perfeição cristã.
1ª via: mistérica ou objetiva (dá primazia aos sacramentos).
2ª via: mística ou subjetiva (primazia à contemplação).
É chegado o momento de fazer a síntese. Os sacramentos e a vida de
oração não são duas vias diversas, mas interdependentes e intimamente ligadas
entre si.
Na base de tudo está a vida sacramental, pois nos coloca de modo
imediato e objetivo com a salvação em Jesus. Mas sozinha ela não é suficiente
para prosseguir na vida espiritual. É necessário que se junte à vida
sacramental uma vida interior de contemplação.
A contemplação é o meio com o qual recebemos, em sentido pleno, os
mistérios, o meio com o que os interiorizamos e nos abrimos à sua ação,
plasmando nossa vida interior: pensamentos, afetos, vontade e memória. Depois
que a vida divina sacramental ser assimilada na contemplação, ela vai se
exprimir também em ações, no exercício das virtudes, sobretudo a caridade.
São Gregório: “São três os elementos que manifestam e distinguem a vida
do cristão: a ação, a palavra e o pensamento. O primeiro deles é o pensamento,
depois vem a palavra que abre e manifesta mediante vocábulos o que foi
concebido com a mente; depois, em terceiro lugar, coloca-se a ação que traduz
em fatos aquilo que alguém pensou. A perfeição da vida cristã consiste na
assimilação a Cristo plenamente, primeiro no âmbito interior do coração, depois
no âmbito exterior da ação”. Como não há ação humana que não brote do
pensamento (e se há, não tem valor, ou é muito perigoso), assim não há virtude
cristã que não brote da contemplação.
A contemplação é a via obrigatória para passar da comunhão com Cristo na
Missa, para a imitação de Cristo na vida. A via da perfeição vai dos
sacramentos à contemplação, e da contemplação à ação: um único caminho de
santidade!
1. A memória constante de Cristo.
Para assimilarmos Jesus não basta comer o seu corpo e beber o seu
sangue. É necessário também contemplar esse mistério. Existe uma grande
afinidade entre Eucaristia e Encarnação.
Na Encarnação Maria concebeu o Verbo primeiro com a mente do que com o
corpo (Sto. Agostinho). Maria depois da Encarnação estava cheia de Jesus,
pensando nele, esperando-O. Ela é o modelo de contemplação eucarística, pois
assim deve se comportar o cristão depois de receber Jesus na Eucaristia. Também
ele deve acolher Jesus na sua mente depois de tê-lo acolhido em seu corpo.
Conceber significa acolher em si mesmo. Lembrarmo-nos de Cristo, fazer memória
d’Ele!
Jesus disse ao instituir a Eucaristia: “Fazei isto em memória de Mim”(Lc
22,19). O memorial eucarístico tem um sentido teológico: lembrar Jesus ao Pai.
Lembrá-lo do que Jesus fez por nós e por ele perdoar-nos e abençoar-nos. No
Antigo Testamento o povo lembrava Deus dos seus servos Abraão, Isaac, Jacó, etc
Na Nova Aliança lembramos Jesus a Deus Pai. As orações eucarísticas são uma
anamnese (sobretudo a IV), isto é, fazem memória ao Pai de Jesus Cristo. Narram
com uma maravilhosa ingenuidade (como se o Pai não soubesse), aquilo que o seu
Filho disse e fez por nós.
Em sentido antropológico, o memorial eucarístico consiste em recordar
Jesus não ao Pai, mas a nós mesmos. Devemos fazer da lembrança de Jesus a nossa
alegria e a nossa força, como Isaías dizia a Deus: “A nossa alma suspira pelo
teu nome e pela tua lembrança”(Is 26,8).
A recordação ao apresentar-se à mente, tem o poder de catalisar todo o
nosso mundo interior e encaminhá-lo para o objeto da lembrança, sobretudo se
este não é uma coisa, mas uma pessoa, e uma pessoa amada. Quando uma mãe se
lembra do seu bebê em casa, tudo dela voa para ele, um ímpeto materno de
ternura sai das suas vísceras e vela-lhe os olhos de lágrimas. “Quando me
lembro de Ti, no meu leito, passo vigílias a meditar em Ti... à sombra das tuas
asas, eu grito de alegria”(Sl 63,7).
A memória é uma das faculdades mais misteriosas e mais grandiosas do
espírito humano. Tudo que vimos e ouvimos está registrado ali, um “seio” imenso
que não ocupa espaço, prontos a acordar e a vir à luz obedecendo a um simples
sinal da vontade.
Para Sto. Agostinho a memória era sinal e vestígio da SS. Trindade. “É
grande esta faculdade da memória, imensamente grande, ó meu Deus; é o íntimo
imenso e infinito... Quem poderá tocar-lhe o fundo? Faz-nos vir, de certo modo,
vertigens... Desde o momento em que Vos conheci, Vós habitais na minha memória
e é aqui que Vos encontro quando me recordo e me alegro em Vós”. Deus, que os
céus dos céus não podem conter, está encerrado na memória do homem!
Recordar (latim recordari = subir de novo ao coração), não é atividade
só do intelecto, mas também da vontade e do coração. Recordar é pensar com
amor. Jesus atribui ao Espírito Santo o fato de nos podermos lembrar d’Ele (Jo
14,26).
Para realizar de verdade a transformação do nosso coração, os Padres
dizem que a contemplação dos mistérios de Deus deve ser assídua. Como o fogo
não queima o que só toca, um pensamento intermitente não pode predispor o
coração para nenhuma paixão; é necessário um certo tempo, longo e contínuo (N.
Cabasilas).
Devemos então desejar chegar ao ponto em que a recordação de Jesus se
insinue e circule através dos nossos pensamentos, como o mel nos favos. E está
ao alcance normal de todos! Muitas almas, mesmo aquelas que vivem no mundo,
fizeram essa experiência, pelo menos durante longos períodos. (Não se pode
pretender vir a ter, na terra, essa recordação contínua de maneira permanente e
inalterada).
Esta recordação, especialmente no começo, é facilitada pela repetição
mental, ou à flor dos lábios, de uma palavra, como a invocação prolongada do
nome de Jesus. É quase incrível a eficácia deste meio tão simples. O motivo
está em que o nome de Jesus não é apenas um “nome”; nele se encerra o mistério
e o poder da pessoa de Cristo. A invocação do nome de Jesus serve, sobretudo,
para matar ao nascer os pensamentos de orgulho, de autocomplacência, de ira, os
pensamentos impuros e, também, para potenciar os bons pensamentos.
A repetição do nome de Jesus serve para quebrar o fio do pensamento mau
ou inútil e introduzir em nós “os sentimentos que havia em Cristo Jesus” (Fl
16,23). Assim habitua-se a “pensar nas coisas de Deus, e não nas coisas dos
homens” (Mt 16,23) e o seu coração fica puro. O que de fato mancha o
nosso coração é, sobretudo, a procura de nós mesmos, da nossa glória.
Mas... o homem que contempla a Deus vira as costas para si mesmo. Quem
contempla não se contempla!
2. A adoração diante do SS.mo Sacramento
Uma primeira forma de contemplação eucarística é a própria liturgia da
Palavra da Missa. Ela sempre traz à memória um aspecto da salvação e desta
forma ilumina a Eucaristia, prepara a mesa do pão, suscita o desejo, aumenta o
sabor de Cristo, como aconteceu em Emaús.
Outra forma de contemplação eucarística é o tempo dedicado à preparação
e à ação de graças, antes e depois da comunhão. Mas a forma por excelência é a
adoração silenciosa diante do SS.mo Sacramento. Pode-se mesmo contemplar
Jesus-Eucaristia de longe, no sacrário da própria mente, como fazia São
Francisco.
Mas a contemplação feita na presença real de Cristo, diante das Espécies
que O contêm, acrescenta algo que nos ajuda. É como lareira sempre acesa a nos
aquecer na casa de Deus.
Mas se antes a piedade eucarística se desgastou devido à rotina e ao
ritualismo, é necessário agora retomá-la em forma renovada, com ampla
sensibilidade bíblica e litúrgica.
Estamos a descobrir que o corpo místico de Cristo, que é a Igreja, não
pode nascer e desenvolver-se senão junto ao seu corpo real, que é a
Eucaristia.
A Eucaristia faz a Igreja mediante a contemplação. Estando calmos e
silenciosos diante d’Ele, compreende-se melhor sua vontade, põem-se de lado
nossos projetos para dar lugar aos de Cristo.
Fotossíntese eucarística: as folhas verdes absorvem certos elementos do
ar que, sob a ação solar, são transformados em alimentos pra planta, que cresce
e frutifica depois. As almas eucarísticas são como essas folhas verdes que ao
contemplar o sol que é Cristo, fixam o alimento que é o próprio Espírito Santo
em benefício de toda grande árvore que é a Igreja. (2Cor 3,18)
3. Eu olho para Ele
e Ele olha para mim
Contemplação eucarística é dádiva de saber estabelecer um contato de
coração a coração com Jesus na Hóstia e, através dele, elevar-se ao Pai no
Espírito Santo. E tudo isso o mais possível, no silêncio exterior e
interior.
O silêncio é o esposo predileto da contemplação. Ele a protege como o esposo a esposa... Contemplar é fixar-se intuitivamente na realidade divina (Deus, um seu atributo, um mistério da vida de Jesus). Na meditação procura-se a Verdade encontrada.
O silêncio é o esposo predileto da contemplação. Ele a protege como o esposo a esposa... Contemplar é fixar-se intuitivamente na realidade divina (Deus, um seu atributo, um mistério da vida de Jesus). Na meditação procura-se a Verdade encontrada.
Contemplação:
- “Um olhar livre, penetrante e imóvel” (Hugo de S. Vítor).
- “Um olhar afetivo para com Deus” (S. Boaventura).
O camponês de Ars interrogado por S. João Maria Vianey contemplava muito
bem: “Nada; eu olho para Ele e Ele olha para mim!” A contemplação de certas
religiões orientais, como o Budismo, olham para o “nada”. Nós olhamos para
Jesus.
A contemplação eucarística reduz-se por vezes a fazer companhia a Jesus,
a ficar debaixo do seu olhar, dando-lhe a alegria de nos contemplar também. Ela
não é, pois, impedida pela aridez, quer esta seja devida à nossa dissipação,
quer seja permitida por Deus para nossa santificação. Basta dar-lhe um certo
sentido, renunciando também à nossa satisfação resultante do fervor. Charles de
Foucauld dizia: “A tua felicidade, Jesus, basta-me!”
Por vezes a nossa adoração parece uma perda de tempo... Pelo contrário,
que força e que testemunho de fé está encerrado nela! Jesus sabe que poderemos
ir-nos embora e fazer centenas de outras coisas que nos gratificariam muito
mais, ao passo que, ficando ali, queimamos o nosso tempo em pura perda. Quando
não conseguimos rezar com a alma, podemos sempre rezar com o nosso corpo, e
aquilo é rezar com o corpo (embora a alma não esteja ausente).
Contemplando a Eucaristia realiza-se a profecia: “Olharão para aquele
que trespassaram” (Jo 19,37). Aliás, essa contemplação é ela mesma uma
profecia, pois antecipa o que faremos para sempre no céu. No fim cessarão a
consagração e a comunhão, mas não cessará a contemplação! É isto o que os
santos já fazem no céu (Ap 5,1ss). Quando estamos diante do sacrário, nós
formamos já um coro único com a Igreja do Céu, eles na visão e nós na fé.
Quando Moisés desceu do Sinai seu rosto resplandecia (Ex 34,29). Que o
mesmo aconteça com a gente. Este será o dom mais belo que poderemos oferecer
aos irmãos, mesmo que não o saibamos como Moisés também não sabia; e é bom que
não saibamos que nosso rosto está resplandecente.
A Eucaristia, nossa santificação. Cantalamessa, Raniero, Paulus, São
Paulo, pp. 75-91 - Resumido por Pe. Marcos Oliveira
Série: A Eucaristia, Nossa
Santificação
Comentários
Postar um comentário