R esumo do
Livro do Frei Raniero Cantalamessa sobre o sacramento da Eucaristia
"Cristo, nossa Páscoa, foi imolado"
A Eucaristia na História da
Salvação
“A Eucaristia, nossa
santificação”, do Frei Raniero Cantalamessa, Paulus Editora, é o meu livro do
momento. Aliás, foi um presente que ganhei de Dom José Antônio, nosso
arcebispo.
Na primeira meditação, Frei
Raniero enquadra o mistério da Santa Ceia no conjunto da História da Salvação.
Deus revelou-Se aos homens no contexto de uma História, a qual, a partir do seu
objetivo e da sua finalidade, é chamada “História da Salvação”.
Dentro da história visível e
documentada do mundo, desenvolve-se pois uma outra história, cujo fio condutor
não são, como sucede na história humana, as guerras e as pazes, ou as invenções
do homem, mas as “invenções” de Deus, as mirabilia Dei (maravilhas da salvação),
as intervenções maravilhosas e benévolas de Deus.
Todas as operações realizadas por
Deus fora de Si mesmo (ad extra), da Criação até à Parusia (segunda vinda de
Cristo), fazem parte dessa História.
A Eucaristia ocupa toda História
da Salvação. A Eucaristia é paralela à História da Salvação: toda a História da
Salvação está presente nela, e a Eucaristia está presente em toda a História da
Salvação. Como numa gota de orvalho da manhã se vê refletido todo o firmamento,
assim na Eucaristia se espelha o inteiro arco da História da Salvação.
A Eucaristia está presente em
três modos diversos dos tempos que distinguimos na História da Salvação: Está presente no Antigo testamento
como figura. Está presente no Novo
Testamento como acontecimento. E está presente
no tempo da Igreja, este em que nós vivemos, como sacramento. A figura antecipa e prepara o acontecimento, o
sacramento “prolonga” e atualiza o acontecimento.
1. As figuras da Eucaristia
Todo o Antigo Testamento era uma
preparação da Ceia do Senhor: Maná (Ex 16,4ss; Jo 6,31ss), sacrifício de
Melquisedec que ofereceu pão e vinho(Gn 14,18; Sl 110,4; Hb 7,1ss), sacrifício
de Isaac.
Já a partir da noite da saída do
Egito, Deus contemplava a Eucaristia, já pensava em dar-nos o Cordeiro. “Eu
verei o sangue – diz Deus – e passarei adiante”(Ex 12,13), ou seja, farei com
que “façais Páscoa”, poupar-vos-ei e vos salvareis. Os Padres da Igreja
perguntavam-se, a este ponto, acerca do que é que Deus via de tão precioso nas
casas dos hebreus, para “passar adiante” e dizer ao seu anjo para não ferir, e
respondiam: via o Sangue de Cristo, via a Eucaristia!
Santo Tomás de Aquino se
perguntava: “Qual é então a força da realidade (ou seja, da Páscoa cristã), se
já a simples figura dela era causa de salvação?” Por isso ele chegou a chamar
os ritos do Antigo testamento de sacramentos da antiga lei.
2. A Eucaristia enquanto acontecimento
Chegamos então à plenitude dos
tempos. A Eucaristia não já está presente como figura, mas como realidade.
A grande novidade está incluída
nesta exclamação do Apóstolo: “Cristo, nossa Páscoa, foi imolado”(1Cor 5,7).
Por isso, a Eucaristia pode ser chamada “o mistério antigo e novo: antigo pela
prefiguração, novo pela realização”(Melitão de Sardes).
Em que consiste então,
propriamente, o acontecimento que funda a Eucaristia e que realiza a nova
Páscoa? Os Evangelhos dão-nos duas respostas diversas, mas complementares.
Conjuntamente, permitem ter uma visão mais compreensiva do mistério, como uma
coisa vista de dois ângulos diversos: a imolação no templo e a ceia nas casas.
O Evangelista João olha de
preferência para o momento da imolação. Para ele a Páscoa cristã – e portanto,
a Eucaristia – é instituída na cruz, no momento em que Jesus, verdadeiro
Cordeiro, é imolado.
João estabelece um sincronismo
singular. Mostra uma aproximação “temporal”, de um dia e de uma hora exatos, e
uma aproximação “espacial” em direção a Jerusalém, até que estes dois momentos
convergem e se entrecruzam no Calvário, na tarde de 14 de Nisan, precisamente
no momento em que, no templo, começava a imolação dos cordeiros pascais.
Também, como acontecia com tais cordeiros, em Jesus também não foi quebrado
nenhum osso (Ex 12,46; Jo 19,36).
Os outros três evangelistas
sinóticos (Mateus, Marcos e Lucas) olham de preferência para a Ceia. É na Ceia,
precisamente na instituição da Eucaristia, que se cumpre, na opinião dos três,
a passagem da antiga para a nova Páscoa.
Eles dão grande relevo à
preparação da Última Ceia pascal celebrada por Jesus antes de morrer (Lc 22,11).
Poderíamos dizer que a Ceia dos sinóticos contém já o acontecimento pascal da
imolação de Cristo, como a ação simbólica antecipa, por vezes, nos profetas, o
acontecimento anunciado.
O quebrar da bilha por
Jeremias(19,1ss) ou o deitar-se no chão de Ezequiel(4,4), não é uma simples
ilustração didática do anúncio oral, é uma prefiguração criadora da realidade
futura a que se devia seguir imediatamente a realização. A esta luz, o gesto
que Jesus faz na Última Ceia, partindo o pão e instituindo a Eucaristia, é a
suprema ação simbólica e profética da História da Salvação.
A imolação que João enxerga na
Cruz é, então, o mesmo acontecimento fundamental que os outros três
evangelistas percebem na Última Ceia: a morte e a ressurreição.
O acontecimento que funda, ou
institui, a Eucaristia é a morte e a ressurreição de Cristo, o seu “dar a vida
para retomá-la de novo”.
João acentua o momento da
imolação real (a Cruz). Os sinóticos acentuam o momento da imolação mística (a
Ceia). Santo Efrém dizia: “Na Ceia Jesus imolou-Se a Si mesmo; na cruz foi
imolado por outros”.
Chamamos-lhe “acontecimento”
porque é qualquer coisa acontecida historicamente, um fato único no tempo e no
espaço, acontecido uma só vez e irrepetível: “Cristo manifestou-Se uma vez por
todas, no fim dos tempos, para abolir o pecado pelo sacrifício de Si mesmo”(Hb
9,26).
Mas não se trata de simples
“acontecimentos”. Estes acontecimentos têm uma razão, um “porquê”, que
constitui como que a alma desses acontecimentos, e que é o amor. A Eucaristia
nasce do amor; tudo se explica com este motivo: porque nos amava. “Cristo
amou-nos e entregou-Se a Deus por nós, como oferta e vítima, como perfume
agradável” (Ef 5,2).
Poderíamos continuar a falar
longamente do acontecimento da cruz, da qual brota a Eucaristia, e cuja riqueza
jamais esgotaríamos.
Em relação a grande história do
mundo, neste acontecimento tão pequeno existe tanta energia que nele repousa a
própria salvação deste mundo. Por analogia, lembramos o átomo que, apesar de
tão pequeno, possui uma imensa energia.
3. A Eucaristia enquanto Sacramento
Neste tempo da Igreja em que
vivemos, a terceira fase da História da Salvação, a Eucaristia está presente
como sacramento, nos sinais do pão e do vinho, intituído por Jesus na Última
Ceia com estas palavras: “Fazei isto em memória de Mim”.
Aqui temos História e Liturgia.
Como acontecimento, aconteceu uma só vez, mas como sacramento, renova-o
periodicamente. Acontecimento
e Sacramento não estão em contraste entre si, como se o Sacramento fosse
ilusório e só o acontecimento fosse verdadeiro.
De fato, aquilo que a História
afirma que aconteceu na realidade, o Sacramento renova-o frequentemente no
coração dos fiéis. A Missa renova o acontecimento da cruz celebrando-o (não
repetindo-o!) e celebra-o renovando-o (não somente recordando-o!).
A palavra, na qual se realiza
hoje o maior consenso ecumênico, é porventura o verbo representar, entendido no
sentido de re-apresentar, ou seja, de tornar de novo presente. Graças ao Sacramento da
Eucaristia, tornamo-nos, misteriosamente, contemporâneos do acontecimento.
O Espírito Santo é quem atualiza
o acontecimento da morte e ressurreição de Jesus, que fundou a Eucaristia. Se
celebrarmos também nós, – como fez Jesus na Cruz – a nossa Missa “na companhia
do Espírito Santo”, Ele dará um recolhimento novo às nossas celebrações. Fará
verdadeiramente de nós – como pedimos no cânone da Missa – “uma oferenda
permanente” agradável a Deus!
A Eucaristia, nossa santificação. Cantalamessa, Raniero, Paulus, São Paulo, pp. 5-20 Resumido por Pe. Marcos Oliveira